Você está proibido sentir e a arte é a sua maior ameaça
Você está proibido de sentir.
Você vive em uma sociedade controlada por um regime totalitário que embarga os seus sentimentos.
Você é obrigado a usar, diariamente, uma droga chamada Prozium, que anestesia as suas emoções.
Obras de arte, livros, filmes, músicas e quaisquer elementos provenientes da criatividade e sensibilidade humana são uma ameaça e imediatamente destruídos quando encontrados. Lendo está newsletter, você está infringindo a lei.
A proibição de manifestações emocionais também se estende para as relações: casais dormem em camas separadas, filhos chamam os pais pelo nome, ausência de animais domésticos.
Se você ver alguém chorando ou gargalhando, deve denunciar imediatamente.
Mas afinal, por que neutralizar seus sentimentos?
Sentir é a maior desolação da humanidade. Provoca disputas, ganância, competitividade, egoísmo e catástrofes. Após uma terceira, e devastadora, guerra mundial, a humanidade viu-se à beira de uma extinção. Não haveria chance de sobrevivência a um quarto conflito dessa magnitude. Uma nova ordem foi consolidada para prevenir qualquer tipo de tensão pessoal, interpessoal e entre países. Guerra nunca mais!
Recorrer ao cinema para a materialização de distopias futuristas é algo que almejo muito como roteirista, mas essa realidade, não fui eu quem inventei. Essa distopia é retratada no filme de ficção científica Equilibrium (2002), estrelado por Christian Bale e dirigido e roteirizado por Kurt Winner. Dentro do universo cinematográfico de sci-fis, essa obra é esnobada e pouco comentada. Assisti há pouquíssimo tempo, fazendo pesquisa para um novo trabalho de roteiro.
Apesar de abarcar questões narrativas que me incomodaram, e para os que já conhecem os clássicos de George Orwell, Ray Bradbury e Aldous Huxley, possa parecer uma história batida, Equilibrium contempla cenas excepcionais e cumpre o papel de uma boa ficção científica em levantar diversas provocações acerca da natureza humana.
Sobre as reflexões que ficaram martelando na minha cabeça, fiquei matutando: ao invés de controlar as pessoas com a falta de informação, é a falta de emoção que torna as pessoas controláveis e, além do Prozium, a proibição da arte é um dos maiores mecanismos utilizados pelo regime totalitário para manter a população imersa na conformidade e na obediência.
Conforme visto logo no início do filme, o protagonista John Preston (Christian Bale), um oficial de elite, vai até um local onde “terroristas” estão escondendo pinturas. Ele dá a ordem para seus subordinados queimarem tudo. Vemos a Monalisa (original) borbulhando no fogo. Essa cena de abertura nos faz mergulhar na visualização da arte como grande ameaça ao status quo, contemplando um alto grau de periculosidade em despertar emoções nos cidadãos e levar ao questionamento sobre a ordem dominante. Tanto que, além de incinerar qualquer obra, as pessoas que experimentam ou escondem arte também são fadadas ao fogo.
Em tempos de retrocesso político e social, essa não parece ser uma distopia distante. Como aponta a Ursula Le Guin, “a ficção científica não prevê; descreve.” A destruição da arte não precisa ser literal, como a queima de pinturas e livros por governos totalitários, mas no sucateamento e ataques aos investimentos na cultura por bolsonaristas, nas recentes ameaças de Milei ao cinema argentino, na onda de censura de livros no Brasil, e por aí vai. Aí está o perigo de governos com aparência democrática e essência autoritária. O
fala disso muito bem disso, neste texto aqui.Os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari afirmaram que a arte é a única coisa que se conserva no mundo. Uma conservação que não se ajusta ao modo industrial manufaturado, mas sim ao modus operandi das sensações, das percepções e dos afetos. Em cenários reais ou imaginários, mesmo sendo enclausurada, proibida e cerceada, a arte sempre irá emergir dos subterrâneos mais fundos da opressão. Como disse Ferreira Gullar:
“A arte existe porque a vida não basta”
🛸E POR FALAR EM FICÇÃO CIENTÍFICA🛸
Cês acreditam que eu já fiz um filme de ficção científica queer (queer-fi)? É um curta-metragem que chama Procura-se Indianara. Ele já rodou alguns festivais e em breve vai tá na programação de alguns canais de TVs públicas. Depois irei elaborar uma edição falando mais sobre o universo queer-fi e a produção do meu curta. Aguardem!
Diversos filmes de ficção científica já foram produzidos aqui no Brasil e merecem a nossa atenção. O cinema nacional merece a nossa atenção. Assistam filmes brasileiros!
Um deles é Abrigo Nucler (1981) de Roberto Pires e que foi filmado na Bahia. Tem na íntegra no youtube.
Outro é o curta-metragem Recife Frio (2009) do Kleber Mendonça Filho, mesmo diretor de Bacurau (2019). Também tem no youtube.
Um beijo e até a próxima!
Uso o instagram para compartilhar um pouco das minhas narrativas: meu trabalho como roteirista e escritora, minhas artes, paisagens, pessoas, plantas, animais, livros, filmes, memes, divagações, (des) processos, desabafos e aleatoriedades de uma mente geminiana. Fique à vontade para me seguir por lá também.
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uau! mais três filmes para a watchlist!
não tinha pensado como o sucateamento também está vinculado ao fim das coisas.. baita reflexão!!
Assisti Equilibrium, mas foi há muitos anos, e não lembro de quase nada. Mas lembro que gostei. Hoje em dia, acho que os extremistas fizeram um upgrade (se é que dá pra chamar assim) e não se contentam em apenas eliminar algumas expressões culturais e artísticas, mas também em criar as suas próprias. Sou da área de quadrinhos, e conheço vários artistas alinhados a esse espectro político usando quadrinhos pra difundirem ideais fascistas. Vou dar uma olhada nas suas dicas!